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A expansão Neoclássica e os artistas a partir do final do século XVIII

Por Fatima Sans Martini - outubro 17, 2024
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Estudiosos e entusiastas neoclássicos foram levados, a partir do final do século XVIII, a revisitar a Antiguidade após a descoberta das cidades de Herculano e Pompéia, em meados do mesmo século, escondidas sob as cinzas em Nápoles.

Um mundo diferente daquele conhecido por intermédio da Antiga Roma ficou evidente com as escavações arqueológicas. Magníficas edições de desenhos arquitetônicos estimularam a imaginação dos artistas, que viajavam para as cidades italianas, estudando os mausoléus, monumentos e templos em ruínas em busca dos mais diferentes artefatos.

A partir do francês Joseph-Marie VIEN[1] (1716-1809) e dos dois principais nomes responsáveis por iniciar o que se denominou de arte Neoclássica: o tcheco Anton Raphael MENGS[2] (1728-1779) e o escocês Gavin HAMILTON[3] (1723-1798), a maioria dos artistas, que desenvolveu e se destacou junto ao estilo neoclássico, nasceu a partir de meados do século XVIII e o número é grande, entre desenhistas, gravadores, pintores e escultores, das mais diversas nacionalidades.

Entre os franceses: Jean-Joseph TAILLASSON (1745-1809), Pierre LACOUR (1745-1814), François-André VINCENT (1746-1816), Jacques-Louis DAVID (1748-1825), Jean-Baptiste REGNAULT (1754-1829), Guillaume GUILLON-LETHIÈRE (1760-1832), François-Xavier FABRE (1766-1837), Charles MEYNIER (1768-1832), Jean-Auguste Dominique INGRES (1780-1867), Julien MICHEL GUÉ (1789-1843) e o escultor Jean-Baptiste PIGALLE (1714-1785).

Da Suíça: Maria Anna Angelika Kauffmann, conhecida por Angelica KAUFFMAN (1741-1807) e o escultor James PRADIER (1792-1852).

Entre os italianos: Andrea APPIANI (1754-1817), Gaspare LANDI (1756-1830); os escultores: Antonio CANOVA (1757-1822) e Lorenzo BARTOLINI (1777-1850) e os gravadores: Domenico CUNEGO (1724/25-1803) e Giovanni Battista PIRANESI (1720-1778).

Entre os alemães: Johann Heinrich Wilhelm TISCHBEIN (1751-1829) e Christian GOTTLIEB SCHICK (1776-1812).

Do Reino Unido: os ingleses: John FLAXMAN (1755-1826), Richard WESTALL (1765-1836) e George DAWE (1781-1829); o anglo-americano Benjamin WEST (1738-1820); o irlandês James BARRY (1741-1806) e o escocês: Gavin HAMILTON (1723-1798).

Da Dinamarca: o escultor Bertel THORVALDSEN (1770-1844).

Da Suécia: Louis-Adrien MASRELIEZ (Paris, 1748-1810) e o escultor Bengt FOGELBERG (1786-1854).

Da Rússia: Anton Pavlovich LOSENKO (1737-1773)

E da Bélgica: Andries Cornelis LENS (1739-1822) e Joseph-Benoît SUVÉE (1743-1807).


Jacques-Louis DAVID (1748-1825)

Precocemente influenciado pelas obras do artista rococó, François BOUCHER[4], o jovem Jacques-Louis David, por recomendação do próprio Boucher, foi estudar com Joseph-Marie VIEN, na época professor na Académie Royale de Peinture et de Sculpture e já um entusiasta da pintura sobre os temas clássicos e das ideias de Johann Joachim WINCKELMANN[5].

Na academia francesa, compartilhando os poemas mitológicos e as histórias heroicas dos antigos gregos e romanos, o sonho de conhecer a Itália se concretizou aos vinte e seis anos quando, após a conquista do Prix de Rome com uma de suas obras, partiu para Roma em 1775, em companhia do mestre que ocuparia o cargo de direção da Academia praticamente na mesma época.

Na cidade italiana por cinco anos, David se encantou definitivamente com o universo da arquitetura e escultura greco-romana e, sobretudo, com as obras ali produzidas dos grandes mestres do Renascimento e do Barroco.

Em 1780, quando deixou a Itália, suas obras inspiradas nas clássicas formas esculturais, sólidas e imóveis, imediatamente foram reconhecidas pela Academia.

A obra de grande proporção – O Juramento dos Horácios – executada em 1784,foi preparada por David para impressionar e marcar o novo estilo. A tela foi apresentada no Salão de 1785 e imediatamente entrou para a coleção do rei Luís XVI (1754-1793)

A despeito de ter sido pintado cerca de cinco anos antes da Revolução Francesa, o tema patriótico e heroico apresentado fundiu-se com a efervescência política da época e serviu de certo modo, como referência para os revolucionários franceses.

Jacques-Louis DAVID (1748-1825) O Juramento dos Horácios, 1784. Óleo sobre tela, 330x425. Musée du Louvre, Paris, França.
Jacques-Louis DAVID (1748-1825) O Juramento dos Horácios, 1784. Óleo sobre tela, 330×425. Musée du Louvre, Paris, França.

Inspirada na obra O Juramento de Brutus[6], executada entre 1763 e 1767 por Gavin HAMILTON (1723-1798), a pintura do Juramento dos Horácios aponta a ausência das linhas retorcidas e dramáticas, e nem mesmo um vislumbre da frivolidade ou docilidade em tons pastéis do estilo anterior. Seguindo o estilo Neoclássico, as figuras são solidamente desenhadas como que interrompidas na ação. As curvas e volutas dão lugar às linhas e contornos firmes das figuras esculturais, modelos greco-romanos que personificam as nobres virtudes.

O tema escolhido remete ao combate mortal entre os irmãos e os Curiácios. David mostra o momento em que os Horácios juram lealdade à Roma e dispostos a morrer, apresentam as armas ao pai. O drama moral do sacrifício e lealdade à pátria se apresenta à direita, pois um dos irmãos é casado com uma irmã dos Curiácios e uma irmã dos Horácios está noiva de um dos Curiácios.

Com a Revolução, David passou a testemunhar a história e a utilizar os temas como propaganda política, apoiando Robespierre[7]. Eleito deputado para a Convenção Nacional de 1792, chegou a ser presidente em 1794. 

Membro do Comitê de Arte e do Comitê de Instrução Pública, a pintura passou a ser reconhecida como patriótica, republicana e educadora e a seu pedido a Academia Francesa[8] foi abolida em agosto de 1793 e substituída pela Sociedade Popular e Republicana das Artes.

No mesmo período, David executou a obra A Morte de Marat, um testemunho da amizade e apoio aos revolucionários franceses.

“A profunda emoção de David transformou em obra-prima um assunto que teria embaraçado um artista menor, pois Marat, um dos chefes políticos da Revolução, foi assassinado na banheira. Uma dolorosa afecção de pele obrigava-o a trabalhar ali, com uma tábua a servir-lhe de secretária. E um dia, Charlotte Corday, entrando a pretexto de lhe dar informações, enterrou-lhe uma faca no peito”. (JANSON, 1992, p. 597)

Na passagem para a morte, a cabeça do revolucionário pende para o lado, enquanto ainda segura a pluma com a qual escrevia. “Embaixo, em primeiríssimo plano, a faca e a pena: a arma da assassina e a arma do tribuno.” (ARGAN, 2001, p. 43)

Jacques-Louis DAVID (1748-1825) Morte de Marat, 1793. Óleo sobre tela, 165x128. Musées royaux des Beaux-Arts de Belgique, Bruxelles, Bélgica.
Jacques-Louis DAVID (1748-1825) Morte de Marat, 1793. Óleo sobre tela, 165×128. Musées royaux des Beaux-Arts de Belgique, Bruxelles, Bélgica.

“Para David, o ideal clássico não é inspiração poética, mas modelo ético. […] Não comenta, apresenta o fato; produz o testemunho mudo e irremovível das coisas. Elas expressam a infâmia do crime e a virtude do assassinado. […] Uma caixa de madeira mal pintada serve de mesinha : expressa a pobreza, a integridade do político.” (ARGAN, 2001, p. 43)

Quando Robespierre caiu com todo o regime de terror, David foi preso no Palácio de Luxemburgo, em 1794, acusado de traição.

Livre, em 1796, David continuou a desenhar e pintar isolado nos arredores de Paris, concluindo em 1799 outra de suas grandes obras – Intervenção das Sabinas – em que mostra as mulheres Sabinas sendo raptadas pelos soldados romanos, na época da fundação de Roma.

Jacques-Louis DAVID (1748-1825) Intervenção das Sabinas, 1799. Óleo sobre tela, 385x522. Musée du Louvre, Paris, França.
Jacques-Louis DAVID (1748-1825) Intervenção das Sabinas, 1799. Óleo sobre tela, 385×522. Musée du Louvre, Paris, França.

Rômulo, à direita, empunha uma lança e o líder dos Sabinos, à esquerda, empunha uma espada. Entre eles está Hersília, a filha de Tácio, vestida de branco, com os braços abertos, na tentativa de paralisar o conflito.

Em 1800, o Rei Carlos IV da Espanha encomendou a pintura – Primeiro Cônsul cruzando os Alpes na passagem do Grand-Saint-Bernard – para completar sua coleção de grandes capitães. Admirado ao ver a pintura exposta no atelie de David, Bonaparte ordenou algumas cópias[9] com pequenas variações entre elas. A pintura uniu o militar e o artista que precisava de um novo herói. A admiração foi mútua e David foi nomeado Primeiro Pintor do Imperador em 1804, e encarregado de retratar as cenas imperiais.

Jacques-Louis DAVID(1748-1825) Primeiro Cônsul cruzando os Alpes na passagem do Grand-Saint-Bernard, 1800.Óleo sobre tela, 259x221.Chateau-Malmaison, Rueil-Malmaison, França.
Jacques-Louis DAVID(1748-1825) Primeiro Cônsul cruzando os Alpes na passagem do Grand-Saint-Bernard, 1800.Óleo sobre tela, 259×221.Chateau-Malmaison, Rueil-Malmaison, França.

Quando a monarquia Bourbon foi restaurada em 1815, Luís XVIII (1755-1824) concedeu anistia ao pintor da corte e ofereceu-lhe uma posição na corte. No entanto, David recusou, preferindo o exílio em Bruxelas, onde se dedicou a composições em pequena escala e a retratos até sua morte em 1825.

O estilo grandiloquente e o perfeccionismo do desenho de David influenciaram os jovens artistas Auguste Dominique INGRES, que seguiu a tradição da pintura história e Antoine-Jean GROS (1771-1835), que levou os temas patrióticos e heroicos para o Romantismo.


Referências

ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. Do Iluminismo aos movimentos contemporâneos. Tradução Denise Bottmann; Federico Carotti. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. 709 p.

CHATEAU VERSAILLES, FRANÇA. Disponível em:  http://collections.chateauversailles.fr/#867f4496-89b7-46d3-a16b-eddbbff1556f Acesso em: 20 set. 2021.

CHATEAU VERSAILLES, FRANÇA. Disponível em:  http://collections.chateauversailles.fr/#0d8718f7-2474-44c6-b12d-d36508b20ecc Acesso em: 20 set. 2021.

CHATEAU-MALMAISON, Rueil-Malmaison, França. Disponível em : https://musees-nationaux-malmaison.fr/chateau-malmaison/chateau-malmaison/chateau-malmaison/collection/objet/le-premier-consul-franchissant-les-alpes-au-col-du-grand-saint-bernard Acesso em: 20 set. 2021

JANSON H. W. História da Arte. Tradução J.A. Ferreira de Almeida; Maria Manuela Rocheta Santos. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1992. 823 p.

KUNSTHISTORISCHES MUSEUM WIEN, GEMÄLDEGALERIE. Viena, Áustria. Disponível em:  https://www.khm.at/objektdb/detail/570/ Acesso em: 20 set. 2021.

MUSÉE DU LOUVRE, Paris, França. Disponível em: https://collections.louvre.fr/ark:/53355/cl010062239 Acesso em: 20 set. 2021.

MUSÉE DU LOUVRE, Paris, França. Disponível em: https://collections.louvre.fr/ark:/53355/cl010065426 Acesso em: 20 set. 2021.

MUSEES ROYAUX DES BEAUX-ARTS DE BELGIQUE, Bruxelles, Belgica. Disponível em: https://www.fine-arts-museum.be/fr/la-collection/jacques-louis-david-marat-assassine?letter=d&artist=david-jacques-louis Acesso em: 20 set. 2021.

SCHLOSS CHARLOTTENBURG. STIFTUNG PREUßISCHE SCHLÖSSER UND GÄRTEN, Berlim-Brandenburg, Alemanha. Disponível em: https://www.spsg.de/en/research-collections/collections/loan-index/ Acesso em: 20 set. 2021.


[1]     Saiba mais sobre Joseph-Marie VIEN (1716-1809) em https://arteref.com/artigos-academicos/joseph-marie-vien-neoclassicismo-franca/

[2] Saiba mais de Anton Raphael MENGS (1728-1779) em https://arteref.com/artigos-academicos/neoclassicismo-antiguidade-grega-imitacao-poesia/

[3]     Saiba mais sobre Gavin HAMILTON (1723-1798) em https://arteref.com/artigos-academicos/a-pintura-neoclassica-de-gavin-hamilton/

[4] Saiba mais sobre François BOUCHER (1703 -1770) em https://arteref.com/artigos-academicos/o-rococo-na-franca/

[5] Saiba mais sobre Johann Joachim WINCKELMANN (1717-1768) em https://arteref.com/artigos-academicos/neoclassicismo-antiguidade-grega-imitacao-poesia/

[6] Gavin HAMILTON (1723-1798) A Morte de Lucretia ou O Juramento de Brutus, 1763-1767. Óleo sobre tela, 213.4×264.2. Yale Center for British Art. Paul Mellon Collection, New Haven, CT, EUA.

[7]    Maximilien François Marie Isidore de Robespierre (1758-1794) um dos mais importantes membros da Revolução Francesa. Principal membro do Comitê de Segurança Pública, foi um dos responsáveis por assinar os inúmeros mandados de prisões. O Período do Terror terminou quando ele e seus aliados foram guilhotinados em 1794.

[8]    A Academia Real de Pintura e Escultura (Académie Royale de Peinture et de Sculpture) foi fundada em Paris em 1648 por Luís XIV sob o controle de Jean-Baptiste COLBERT (1619-1683) e foi dirigida pelo pintor oficial da corte, Charles LE BRUN (1619-1690). Fazia parte do currículo a instrução prática e teórica, baseado num sistema de regras e no racionalismo. As normas eram extremamente rígidas e os temas, por ordem de valor, em tabela própria, partiam da história greco-romana e terminavam na natureza morta). A Academia foi abolida pela Convenção Nacional (1792-1795) a pedido de Jacques-Louis DAVID (1748-1825) em agosto de 1793 e no seu lugar foi fundada a École des Beaux-Arts em 1796.

[9]     As cópias da pintura – Primeiro Cônsul cruzando os Alpes na passagem do Grand-Saint-Bernard – produzida por Jacques-Louis David em 1800, apresentam variações (cor da pelagem, vestido e arreios do cavalo etc.) e se encontram em diferentes lugares: no Chateau-Malmaison, França; no Schloss Charlottenburg, Alemanha; no Kunsthistorisches Museum Wien, Gemäldegalerie, e duas versões no Chateau Versailles, França.


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