Rafael: a perfeição no Renascimento Pleno
O artista soube como ninguém se relacionar e agradar os representantes da igreja
Classificado entre os grandes e insuperáveis mestres do Renascimento Pleno, pintor de qualidades insuperáveis, Rafael de Sanzio[1] (1483-1520) viveu em busca da perfeição, da harmonia e do equilíbrio, inspirando-se nos conceitos clássicos.
Provavelmente, Rafael estudou pintura com seu pai, Giovanni Santi, pintor da corte de Urbino, sua terra natal. Jovem, frequentou o estúdio de PERUGINO[2] (ca.1448-1523), dominando o estilo delicado e ornamental do mestre.
No final de 1504, Rafael chegou em Florença, no período em que DA VINCI (1452-1519) e MICHELANGELO (1475-1564) estavam desenvolvendo novos modelos artísticos, entre eles: os grupos de figuras incrivelmente naturais e o uso do sfumato.
Tranquilo, o artista dedicou-se a aprender com as obras dos mestres, angariando recomendações dos grandes mecenas e muito trabalho.
Com uma personalidade agradável, figuras de rara beleza representadas em um espaço harmonioso, delicado, emotivo e, principalmente, religioso, Rafael soube como ninguém se relacionar e agradar os representantes da igreja.
Obras em Destaque
São inúmeras as obras produzidas durante a estadia de Rafael em Florença, entre elas a Virgem do prado[3], executada por volta de 1505 e 1506, em que mostra o encontro do Menino Jesus com João Batista, obra na qual é visível a influência de Michelangelo e o desejo de se chegar ao sfumato de Da Vinci.
Quatro anos depois de intensa atividade em Florença, Rafael foi em busca de novos horizontes na cidade de Roma, sede do mundo cristão.
Rafael, ainda muito jovem, pintou este retábulo para o convento franciscano de Sant’ Antonio em Perúgia. A Luneta mostra Deus pai, abençoando a cena inferior, cercado por dois anjos. A composição, extremamente tradicional, da Madona entronada sob o baldaquino e dossel de madeira, das santas[4] protetoras e das crianças vestidas, indicam o pedido conservador por parte das freiras do convento religioso. No entanto, a representação de São Paulo e São Pedro, no primeiro plano, anunciam as primeiras lições com os mestres do Renascimento Pleno, na chegada à Florença. Madona e o Menino Entronados com Santos combina o aprendizado perugiano com a nova estética descoberta em Florença.
Sentado no colo de Maria, o menino Jesus abençoa São João Batista. Do lado esquerdo, São Pedro, olhando para fora, segura o livro Sagrado e as chaves do céu. Do lado direito, São Paulo, compenetrado, tem nas mãos o Novo Testamento e a espada, usada em seu martírio.
Atrás de São Pedro, Santa Catarina segura um ramo de palma e se apoia com a mão direita sobre uma roda com lâminas, com a qual se tentou seu martírio. A outra santa, que pode ser Santa Cecília ou Santa Margarete, segura o livro sagrado e o ramo de palma significa que ela também foi martirizada em nome da fé.
O Retábulo vendido no século XVII, foi doado ao Metropolitan no século XX.
A pintura é do tempo em que Rafael viveu em Florença. A composição piramidal, mostra a Sagrada Família, nas figuras de São José e Maria com o menino Jesus, acompanhados pela prima, Santa Isabel e por São João Batista, enquanto do alto putti[5] se divertem entre nuvens no céu. Maria carinhosamente observa os pequenos, enquanto Isabel parece conversar com São José.
No horizonte, ao fundo, entre colinas e montanhas, despontam os pináculos das torres e construções típicas de uma cidade italiana.
Executada na cidade romana, Madona de Alba ou Madona da Humildade, é apresentada por Rafael assentada diretamente sobre o solo em vez do trono celestial ou sobre uma almofada suntuosa. Um velho tronco é o seu apoio. Ao fundo a tranquila paisagem recorta o horizonte na terceira parte da composição, enquanto o manto de Maria pousado na terra marca o equilíbrio horizontal e o primeiro plano.
O grupo piramidal encontra-se no interior do tondo[6], um formato popular no período.
Maria dá uma pausa na leitura e marca a página do livro de orações[7]. A mão direita apoia João Batista, no momento em que ele entrega a cruz para Jesus.
“A atmosfera serena e bucólica desmente o significado emocional: o menino Jesus aceita a cruz de João Batista, observado pela mãe – no momento em que sente a antecipação do sacrifício de Cristo pela humanidade”. (NATIONAL GALLERY OF ART,Washington, EUA. Tradução nossa[8])
Referências
BAYERISCHE STAATSGEMÄLDESAMMLUNGEN. ALTE PINAKOTHEK, Munique, Alemanha.. Inventory Number: 476. PUBLIC DOMAIN. Bayerische Staatsgemäldesammlungen – Alte Pinakothek München. Disponível em https://www.sammlung.pinakothek.de/en/bookmark/artwork/M0xy2k5Lpl Acesso em 12 ago. 2019.
GOMBRICH, E. H. A História da Arte. Tradução Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: LTC, 2000. 714 p.
MARTINI, Fátima R. S. A Pintura Renascentista e Maneirista nos Museus. In Curso de Extensão/UNIMES virtual. Santos/SP: UNIMES, 2016. 57 p.
NATIONAL GALLERY OF ART,Washington, EUA. Disponível em: https://www.nga.gov/collection/art-object-page.26.html Acesso em: 10 ago. 2019.
NATIONAL GALLERY OF ART,Washington, EUA. Disponível em: https://www.nga.gov/collection/art-object-page.1196.html Acesso em: 16 ago. 2019.
THE METROPOLITAN MUSEUM OF ART, Nova York, EUA. Disponível em: https://www.metmuseum.org/art/collection/search/437372 Acesso em: 13 ago. 2019.
[1] Filho do pintor e poeta, Giovanni Santi (ca. 1435-1494), Rafael também é conhecido por Rafael Sanzio, Rafaello Sanzio, Raphael Sanzio e Rafael Santi,
[2] Pietro Vannucci, conhecido por PERUGINO (ca.1448-1523) montou duas das mais influentes oficinas artísticas: uma em Florença e outra em Perúgia. Influenciado pela pintura monumental dos artistas da Úmbria, Perugino mesclou em sua obra os ensinamentos dos primeiros renascentistas: Piero DELLA FRANCESCA (1416/17-1492), MASACCIO (1401-1428/9), Fra Filippo LIPPI (ca. 1406-1469) e Andrea del VERROCCHIO (1435-1488)
[3] RAFAEL de Sanzio (1483-1520) Virgem do Prado, ca. 1505/1506. Óleo sobre madeira, 113×88. Kunsthistorisches Museum, Viena, Áustria
[4] Santa Catarina e, provavelmente, na falta de consenso: Santa Cecília ou Santa Margarete.
[5] Quando a pintura foi restaurada em 1982/3 surgiram os anjinhos (putti, para os italianos) que estavam cobertos por tinta azul, de uma provável restauração anterior, no século XVIII. O menino alado (putto no singular) à direita, parece inacabado ou é possível que tenha sofrido danos nas restaurações.
[6] Composição realizada no interior de uma forma circular, chamada de tondo ou de tondi, quando no plural. A forma foi usada por muitos artistas do Renascimento. Uma das mais conhecidas e considerada uma das obras primas do Cinquecento italiano, é o Tondo Doni, executada por MICHELANGELO (1475-1564) em cerca de 1506-1508, encomendada por Agnolo Doni, presente no acervo da Galleria degli Uffizi, Florença, Itália.
[7] Um gesto semelhante apresentado nessa mesma página, na obra anterior: A Sagrada família da casa de Canigiani, 1505/1506. Alte Pinakothek, Munique, Alemanha. Uma prova que os melhores artistas copiam seus mestres e a si mesmos, em uma incessante busca de superação.
[8] The serene, bucolic atmosphere of Raphael’s tondo belies its emotional meaning. The Christ Child’s gesture of accepting the cross from the Baptist is the focus of attention of all three figures, as if they have foreknowledge of Christ’s sacrifice for mankind. NATIONAL GALLERY OF ART,Washington, EUA. Disponível em: https://www.nga.gov/collection/art-object-page.26.html Acesso em: 10 ago. 2019.