Dossiê

Andrei Busel: um elo entre Brasil e Belarus

Por Equipe Editorial - maio 18, 2021
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Nesse dossiê apresentaremos uma entrevista com Andrei Busel, arquiteto, designer e artista de rua belarusso.

Além da fala com o artista sobre suas origens, processo produtivo e elementos da cultura de seu país, vamos conhecer sobre o Instituto de Arte e sustentabilidade Vulica Brasil (iVB).

Conhecido por promover o Festival de Arte Urbana Brasileiro-Belarrusso vulica Brasil, o iVB é aberto para entusiastas da arte pública e de suas derivações contemporâneas, do urbanismo sustentável, da tomada de atitude cívica e do engajamento comunitário.


Mila: Andrei, apresente-se ao público brasileiro. De qual grupo de arte você faz parte e que tipo de grupo é?

Andrei: Meu nome é Andrei Busel, sou artista de Minsk, Belarus. Fazemos street art, várias coisas de design, arte. Também sou membro do coletivo HutkaSmachnaa; faço arte pública na cidade com meus amigos ou separadamente. Às vezes nós fazemos exposições, agora uma parte da exposição está aqui na galeria.

Mila: O que é essa exposição, como se chama, em que consiste?

Andrei: A exposição “Coisas abandonadas e objetos suspeitos” é uma frase característica dos últimos anos. Ela ficou consoante com as nossas instalações no meio urbano, mas às vezes há um motivo para exibi-las em uma galeria. Por exemplo, fizemos uma exposição em setembro em Minsk.

Algumas vezes tentamos transportá-la para outro lugar. Em Grodno (cidade no oeste de Belarus) teve uma segunda exposição, e agora, no Brasil, eu acho que é a etapa final. É preciso algo novo.

iVB; Vulica Brasil
Créditos: Leonardo Hladczuk

Mila: por que esse nome, “Coisas abandonadas e objetos suspeitos”? Quais são as coisas abandonadas aqui?

Andrei: aqui você pode ver que nossa arte está na cidade, é exatamente o que estamos tentando fazer, algo que não parece arte, mas simplesmente alguns fenômenos estranhos embutidos no ambiente urbano, alguns objetos de arte em lugares atípicos. O nome, na prática, transmite literalmente o significado do que está sendo exibido.

Mila: como eu sou de Minsk, sei que vocês brincam muito com significados e principalmente com a transformação da cidade. Prestam atenção no que está sendo demolido, no que está sendo feito pelas autoridades da cidade, no que não é muito aceito pelos próprios moradores. Poderia dar alguns exemplos de como é, do que está acontecendo em Minsk, porque muitos nem sabem onde fica isso?

Andrei: Aqui você pode fazer um tour histórico completo, dar uma palestra inteira sobre o que está acontecendo em Belarus. Minsk é, por um lado, uma cidade comum, por outro, os fenômenos únicos que ali ocorrem parecem ser muito inusitados. Eventos absolutamente comuns – toda essa localização, a transformação da cidade – em Minsk têm suas reações próprias.

Por exemplo, o fato de terem pintado uns vasos de uma cor viva pode virar o acontecimento do ano ou da década, isso impressiona as pessoas de uma forma incrível. Ao contrário, outros fenômenos muito importantes não são tão notados. Por exemplo, a demolição da rodoviária e a construção de business centers

São detalhes, não quero dizer que seja bom ou ruim. Nós temos uma forma própria de interagir com o meio urbano, e os artistas também a têm, devem ter, mas em Minsk não dão muita atenção a isso. É interessante para mim focar nisso, em algumas coisas estranhas, no que está acontecendo na cidade, nos fenômenos inusitados.

iVB
Créditos: Leonardo Hladczuk

Mila: Você poderia delimitar a sua área de interesse? A quais fenômenos específicos você dedica a sua atenção? Sei que você se interessa pelo transporte urbano.

Andrei: Me interessam fenômenos que são próximos para as pessoas. Hutka (“rápido” em belarusso – N. da T.) está ligado ao transporte, todo mundo se interessa por carros, por exemplo, ou algum tipo de transporte público, isso me pareceu muito importante, as bicicletas, o carsharing – tudo isso é atraente para as pessoas.

E Smachnaa (“saboroso” em belarusso – N. da T.) está ligado à alimentação, que também é a pedra angular da sociedade belarussa, se bem que a gente não faz tanta coisa relacionada a isso. Nós achamos esses aspectos legais.

Por exemplo, agora, justamente quando estávamos pendurando o pôster do HutkaSmachnaa aqui, fiquei sabendo que parece que os últimos quiosques já tinham sido removidos lá em Belarus. Bem, ainda precisa verificar, talvez ainda tenham sobrado alguns em alguma cidade, mas eu acho que não há mais nenhum. Isso também é uma coisa interessante, fast food que vira um fenômeno cultural.

Mila: É verdade que esses quiosques de fast food foram a inspiração para o nome do coletivo artístico de vocês, ou foi um acaso?

Andrei: Na verdade, eles foram. Quando essa palavra apareceu, Minsk era um tanto chata. Sempre dava para achar algo interessante, mas pouca coisa acontecia. Isso não se compara ao que estamos vendo agora, é um caso específico. O que acontecia três anos atrás, toda essa vida cultural, o quiosque HutkaSmachna, era quase que a única na superfície da cidade.

Tudo era bem triste em Minsk, mas esse era realmente o único fast food, um lugar de atração. Isso me pareceu curioso. Um lugar de atração que tem um papel importante, que todo mundo conhece, todo mundo conhece essas duas palavras. Foi interessante pensar nessa direção e preservar essa palavra.

Mila: Todos os objetos da exposição nasceram basicamente em Belarus, em Minsk, no Leste Europeu, num país e numa cidade com seus próprios problemas, com sua própria história, seu próprio contexto, seus próprios significados. Essa exposição que você trouxe para sua residência artística no Brasil… É um contexto diferente, uma realidade diferente, momentos históricos diferentes, um sarcasmo diferente, um humor diferente. Você acha que você conseguiu passar o seu pensamento de lá para cá, você foi compreendido pelo menos por aquelas poucas pessoas que já visitaram e quais novas conexões de significado nascem?

iVB; Andrei Busel
Créditos: Leonardo Hladczuk

Andrei: essas coisas são difíceis de prever, de que será compreendido. Não tenho certeza de que em Minsk as pessoas… A palavra “compreensão” não é muito apropriada, não tenho certeza de que alguém deveria entender completamente, mas deve haver algum tipo de reação, é claro. As pessoas têm que se envolver de alguma forma no processo, mas eu nunca tive como objetivo apresentar uma ideia e depois verificar a exatidão da sua compreensão, não me parece que seja necessário almejar isso.

Sobre o que está acontecendo no Brasil, me parece que temos muito em comum e que os belarussos, não sei se entenderam, mas de qualquer forma absorveram tudo o que aconteceu no Vulica Brasil, tudo foi orgânico, familiar.

Os moradores de Minsk e os turistas já têm dificuldade de imaginar a vida na cidade sem ele. Realmente é assim. Aqui temos uma escala pequena, não criei nada épico, é uma exposição não muito grande, mas um diálogo está acontecendo e recebemos aprovação. Todo mundo tem interesse, curiosidade.

Mila: Um interesse especial despertam o avtazak (veículo para transporte de pessoas detidas em forma de um caminhão – N. da T.) e as casas-caixas. Tudo, na verdade. Poderia falar sobre as casas-caixas?

Andrei: Eu tive o seguinte pensamento: uma vez eu estava em Barcelona e lá há bairros lindos, uma arquitetura muito bonita, e lá os moradores de rua dormiam em caixas perto de monumentos arquitetônicos. Isso me pareceu interessante, uma convergência, que a partir disso poderíamos e gostaríamos de ajudar as pessoas a tornar sua vida mais agradável por meio da arquitetura.

Podemos participar e sentir, não apenas passar, virando o rosto, tentando não ver, podemos nos comunicar com isso. Fizemos uma pequena exposição para um projeto de arquitetura de papel em que esse tema também veio à tona, mas não pode ser totalmente desenvolvido no ambiente de Minsk.

Mas aqui no Brasil em cada canto tem uma pessoa dormindo, até nessa cidade, na entrada da galeria, tanto na principal, quanto na dos fundos, tem alguém dormindo à noite. Quando eu estava fazendo o estêncil, foi quase nos calcanhares de um pobre coitado que estava dormindo sobre um papelão.

Fizemos alguns objetos no Rio, em São Paulo, fizemos um pequeno vídeo, é o começo do projeto. Vamos tentar fazer alguma coisa a partir disso, integrar algum projeto que facilite a vida do ser humano nesse meio social.

Mila: É interessante que os objetos que foram criados em Minsk têm muito sarcasmo, mas esse aqui é meio empático. Qual é a razão para tal mudança da “linguagem”?

Andrei: Minsk tem um ambiente próprio e me sinto mais livre para debochar, criticar, expressar minha atitude. Aqui eu não quero educar ninguém, quero ter tato, cuidado com o que acontece. Por exemplo, notamos a questão dos moradores de rua. Não sabemos nada sobre isso, apenas estamos vendo.

A gente pode tentar conversar com eles, aliás, eles até nos ajudaram um pouco. Alguns caras construíram com muito profissionalismo, como se fossem especialistas no assunto. Se dava algo errado na rua, eles rapidamente nos ajudavam a fazer tudo, e ficava lindo. Ficamos satisfeitos uns com os outros.

Mila: Ficamos muito honrados por você ter nos ajudado com a inauguração do Instituto. Você faz parte da Família Vulica Brasil há muito tempo, e quando gritamos que abriríamos um Instituto do zero, você foi um dos primeiros a responder, comprou a passagem e chegou. Outros artistas seguiram você, e aqui está todo um time. O que você pode dizer sobre o caminho em si? É claro que estamos dando o primeiro passo aqui. Em Belarus já foram 7 anos de crescimento, mas aqui tudo é do zero, mas ao mesmo tempo não totalmente do zero, porque existem vocês, existem todos os contatos, família, pessoas. O que você sentiu nesse lugar onde fica a galeria, onde fica o Instituto? Quais pensamentos você teve? Quais conselhos? Para onde se desenvolver? O que você pessoalmente gostaria de fazer aqui?

iVB; Andrei Busel
Créditos: Leonardo Hladczuk

Andrei: eu me lembro da minha história de comunicação com o festival, com o Danilo. Lembro que eu fui um dos primeiros, não estou me gabando, só lembrando que foi faz muito tempo. Nos conhecemos mil anos atrás, quando ele acabava de chegar em Belarus, eu acho que foi quase na primeira semana dele lá. Ele não falava quase nada de russo, estava procurando alguns pontos de partida, como trabalhar no projeto. Eu tive uma conversinha com ele então. Achei a ideia muito estranha, de certa forma difícil. Havia tal atmosfera em Minsk que ninguém permitia nenhum mural, queriam nem ouvir falar disso.

E aí chega uma pessoa e diz que amanhã vai trazer Osgemeos para pintar e que vai ter um festival, vai ter carnaval e todo um movimento difícil de se imaginar. Dei a ele alguns conselhos sobre como sair dessa história com mais facilidade para ele, fui cauteloso. Mas o Danilo, a Mila e toda a equipe que ajudou realmente mudaram a cara da cidade, e isso aconteceu em alguns anos, ao contrário das minhas expectativas céticas. Agora, quando eu cheguei aqui, eu também estou vendo que é uma época estranha, um lugar estranho.

Você chega e pensa: “Para que essa bagunça toda? Porque dá muito trabalho e vai ser difícil, doloroso”. É claro que vai ter resultado, agora eu acredito que tudo é possível, mas há problemas de sobra. Aqui também é assim, você tem algumas dúvidas. Mas eu entendo que no final tudo ficará bem. Haverá visitantes andando pelo tapete vermelho, quadros pendurados, tudo vai ser legal.

Essa é a minha principal conclusão: não precisa desistir, precisa implementar o que você planejou. Por mais esquisita que seja a ideia do Vulica Brasil, ele acabou concretizando o planejado, e eu não tenho dúvida de que assim será no Brasil também.

Embora agora seja um momento em que é estranho imaginar, mas acredite e verá com seus próprios olhos mais tarde. Vamos observar, também estou curioso para ver como tudo isso vai se desenvolver.

Mila: Também estamos. Nós não esperamos a hora, mas tentamos nos encaixar em tudo de maneiras possíveis. É a flexibilidade, a organicidade ou algo assim. Conte o quão importante isso é para você ou o que você trouxe aqui para o Brasil do contexto belarusso? Porque nós sabemos o que os brasileiros levaram para lá: liberdade de expressão, brilho, escala, diversidade de linguagens, no sentido de expressão. Aqui temos algo completamente diferente, inauguramos o Instituto, inauguramos uma exposição de artistas exclusivamente belarussos. Para você, qual é o diferencial aqui?

Andrei: podemos dizer que temos mais em comum do que você pode imaginar, até a linguagem é semelhante na expressão. Me parece que os brasileiros têm mais energia para a produção constante, simplesmente não dá para pará-los. Cada pedacinho de cerca está coberto com alguma arte, um mosaico, enfim, algo está acontecendo.

Em Belarus, historicamente, primeiro tentamos aprovar algo por muito tempo, corremos atrás de algum tipo de permissão, isso também afeta a arte. Resulta que você se prepara para isso por mais tempo do que realmente faz. Isso deixa um rastro, somos mais atentos, traçamos algum plano, fazemos algo, ponderamos. Não sei se isso é bom ou ruim, ou se é melhor simplesmente pegar a tinta e pintar. É mais intimista aqui, em eventos locais.

Para mim, é difícil comparar, nós vimos pouco em termos da dinâmica de galerias. Os belarussos foram tão loucos que agora estamos bolando exposições aqui, quando nem os brasileiros estão fazendo isso. Todo mundo está sendo cauteloso agora, mas nós tentamos fazer uns atritos culturais. Espero que tudo comece a reviver.

Espero que estejamos no início desse período. É massa que deu para encontrar um lugar onde você pode fazer projetos, mesmo nas condições de pandemia. Dá para vir e curtir e se sentir uma pessoa viva em um ambiente de arte.

Mila: obrigada pela entrevista, pela sua arte, pela arte que vai ficar muito tempo pendurada até a gente fazer a reforma.

iVB; Vulica Brasil
Créditos: Leonardo Hladczuk

Mila: por que o Estado ainda usa equipamentos quase militares contra seu próprio povo e será que a arte tem poder para resistir a isso de alguma forma?

Andrei: por que o Estado usa isso é uma pergunta difícil, eu não sei. Parece que eles não confiam em nós e estão muito distantes, acreditam que sem os avtazaks a gente vai virar uma espécie de… Vamos devorar uns aos outros.

Não dá para ir ao jogo de carro, bater um papo com a galera. É mais fácil para eles tornarem visível a sua dominação para você ver de longe que é melhor você fugir, se esconder e ficar em casa da próxima vez, e não aparecer. Do ponto de vista da arte, não acredito realmente que a arte possa… Bem, claro, de alguma forma ela ilustra o que está acontecendo, mas com a ajuda da tela você poder resolver esse problema… De alguma forma indireta ela influencia, mas a única missão é que você poder de alguma forma aplicar o que vê em sua cabeça, nasce uma imagem um pouco diferente.

Você não vê uma coisa assustadora, quando vê um avtazak, você lembra que tem um ímã de geladeira assim em casa. Você pode desligar de um pensamento para outro, mais positivo por um tempo, para não ter apenas medo na cabeça. Acho que pode funcionar. E as forças de segurança, quando vêem isso, começam a pensar um pouco diferente, mas sei lá. Avtazak (objeto de arte) já tem 10 anos, e eles apareceram ainda mais cedo, mas desde então não parece que algo tenha mudado para melhor.

Mas talvez fique mais fácil para as pessoas psicologicamente conviver com o fato de que podemos de alguma forma interagir com isso, além de passar e tremer de medo.

O mais importante que eu queria dizer é que para mim a maior descoberta é que o Brasil está muito mais perto do que parece. Não há obstáculos intransponíveis para vir aqui. Se alguém se interessar, mande uma mensagem para mim ou para o Instituto, a gente explica tudo. Venha visitar, acompanhe o desenrolar dos eventos. Acho que vai ser muito interessante.

A exposição das obras de Andrei Busel tiveram a curadoria de Liudmila Shastak (Mila Kotka) e a organização de Anastasiya Golets e Cláudia di Giovanni


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