Opinião

Ismael Nery e a dualidade mística

O misticismo na obra de Ismael Nery (1900-1934) é uma das características mais evidentes, perscruta as sutilezas de sua linguagem nas suas incursões pelo surrealismo, cubismo e expressionismo. No Museu de Arte Moderna (MAM) do Parque Ibirapuera, foi aberta uma mostra que visa realçar o feminino e o masculino na obra de Ismael Nery reunindo 200 obras entre nus, retratos, autorretratos, cenários e figuras andróginas.

A trajetória do artista foi bem dinâmica, em 1909 transferiu-se com sua família de Belém, sua cidade natal para o Rio de Janeiro, frequentou a Escola Nacional de Belas Artes (1917), como aluno livre na classe de desenho, onde pode aprimorar seu incrível talento, mas em 1921 viajou para a Europa e Oriente Médio, na França frequentou a Academia Julian em Paris. De volta ao Brasil se casou com a poeta Adalgisa Cancela Noel Ferreira, que passa a assinar Adalgisa Nery, foi nomeado para a Diretoria do Patrimônio Histórico Nacional do Ministério da Fazenda, onde trabalhou como desenhista na seção de arquitetura e topografia, tendo conhecido Murilo Mendes, surgindo daí uma longa amizade que perdurou até o dia do seu prematuro falecimento por tuberculose. Nova viagem à Europa (1927) juntamente com a mulher, a mãe (D. Marieta Maciera Nery, que com a morte do marido ingressou na Ordem Terceira de São Francisco, passando-se a chamar-se Irmã Veronica) e o filho Ivan, permanecendo alguns meses, durante a qual se aproximou de diversos artistas e teóricos do movimento surrealista como André Breton e Marcel Noll, tornando-se amigo de Marc Chagall, aliás na ocasião os Nery alugaram uma casa bem perto da residência de Villa-Lobos na qual frequentaram muito.  Intelectual brilhante, notável pensador segundo alguns de seus contemporâneos como Mario de Andrade e Antonio Bento, criou em 1926 um sistema filosófico denominado por Murilo Mendes de essencialismo, baseado na abstração do tempo e do espaço, cultivando os elementos primordiais à existência.

Certa vez Mario de Andrade em artigo publicado no jornal Diário Nacional de São Paulo, em 10 de abril de 1928, afirmou: “Ismael Nery tem um talento vasto de pintor, porém com exceção duns poucos quadros, toda a obra dele se ressente dum inacabado muito inquieto”.

Artista mal compreendido, sua vida familiar teve lances dramáticos que influenciaram sua obra marcada por profundos mergulhos no inconsciente e na sensibilidade lírica de momentos passageiros e sempre reveladores.

Ismael Nery resume em sua intensa carga vivencial o drama do homem contemporâneo, tentava conciliar uma sociedade mais justa com o cristianismo. Vinculava reflexão e arte com extrema paixão, envolvia o inconsciente com o místico, frente a força do tempo na sua implacabilidade.

Enraizado no misticismo, sua obra reflete a busca incessante pela essência, transpor os limites impostos por uma sociedade extremamente conservadora que tolhe a expressividade plástica, impondo moralismos conturbados impedindo a transparência comportamental livre e energicamente positiva.

Uma obra envolta na poesia, na projeção da intimidade, no encontro das dualidades, na dissipação do masculino e feminino em campos opostos, na integração das sutilezas sensuais, na extrapolação comportamental das regras nefastas de uma sociedade preconceituosa e destrutiva.

Pensador e visionário, um artista que assumiu uma posição extremamente inovadora, unindo a força mística com o cristianismo na acepção mais pura atingindo o equilíbrio e a virtuosidade.

https://arteref.com/movimentos/o-surrealismo-e-como-ele-moldou-o-curso-da-historia-da-arte/
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José Henrique Fabre Rolim

Jornalista, curador, pesquisador, artista plástico e crítico de arte, formado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Unisantos (Universidade Católica de Santos), atuou por 15 anos no jornal A Tribuna de Santos na área das visuais, atualmente é presidente da APCA (Associação Paulista de Críticos de Artes), colunista do DCI com matérias publicadas em diversos catálogos de arte e publicações como Módulo, Arte Vetrina (Turim-Itália), Arte em São Paulo, Cadernos de Crítica, Nuevas de España, Revista da APCA e Dasartes.

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