Barroco na Espanha
Sob influência da arte italiana de Caravaggio, o realismo e naturalismo passam a fazer parte das composições artísticas desse movimento.
A expansão da arte protestante forçou a igreja a utilizar a arte produzida sob o Estado católico como divulgação de sua doutrina. A maioria dos artistas espanhóis sob o regime da Contrarreforma1 produziram, assim, uma arte voltada para a corte religiosa.
Na Espanha a pintura Barroca apresenta grande emoção, drama, composição teatral, uso de claros e escuros, iluminação a partir de um ponto, pinceladas soltas, cores luminosas, invariavelmente junto aos temas religiosos. De modo geral, são proibidos: os nus, as figuras sensuais e os temas pagãos. Sob influência da arte italiana de Caravaggio o realismo e naturalismo passam a fazer parte das composições artísticas.
Entre os mais conhecidos nomes de artistas espanhóis do período encontram-se: José de RIBERA (1591-1652), Francisco de ZURBARÁN y Salazar (1598-1664)2, Bartolomé Esteban Perez MURILLO (1618-1682) e Diego Rodrigues de Silva y VELÁSQUEZ (1599-1660)
José de RIBERA (1591-1652)
Conhecido com o nome italiano de Jusepe ou Giuseppe, José de RIBERA (1591-1652) nasceu em Xàtiva, na província de Valência. Em busca das novidades provocadas pelas pinturas realistas de CARAVAGGIO (1571-1610), Ribera foi até Milão e em seguida para Roma, onde também conheceu a pintura de RAFAEL (1483-1520) e Guido RENI (1575-1642).
Da capital romana, Ribera foi para Nápoles, então controlada pela Espanha, e ali se estabeleceu, aplicando os conceitos do estilo Barroco: movimentos sugeridos dos personagens, efeitos luminosos, grandes sombras, formas abertas e fechadas3 e grandes figuras no primeiro plano sobre um fundo neutro.
Obras em Destaque
Entre vários seguidores de Ribera, encontra-se o artista napolitano Salvator ROSA4 (1615-1673) fortemente influenciado por suas obras mitológicas e dramáticas.
A intensa produção impediu-o de voltar para seu país de origem. No entanto, assinando como español, sua obra foi levada continuamente para a Espanha pelos nobres e vice-reis espanhóis, onde foi muito apreciada pelo intenso naturalismo e monumentalidade da figura humana.
José de Ribera representa um dos assuntos populares no período da Contrarreforma italiana e espanhola: os martírios dos santos. A composição no estilo dramático de Caravaggio, mostra os momentos finais do apóstolo Bartolomeu, martirizado e esfolado vivo.
Os braços estendidos, o peito aberto e a face virada em intensa fé, recebem uma intensa luz divina. A mão esquerda se aproxima das mãos do carrasco que segura empunha o instrumento de tortura. O carrasco franze a testa em dúvida ao ver a fé estampada no rosto do santo. A luz que bate à direita deixa em incerteza para prosseguir na crueldade ou se converter.
Diego Rodrigues de Silva y VELÁSQUEZ (1599 -1660)
Em Sevilha, onde nasceu, Diego Rodrigues de Silva y Velásquez tinha ficado impressionado com as descobertas e a maneira de CARAVAGGIO, que ele conhecia por meio de obras trazidas por artistas imitadores. De acordo com Gombrich (2000) Velásquez devotou sua arte ao naturalismo e à observação da natureza, independentemente das pré-convenções formais ou do domínio da beleza.
Membro da corte de Filipe IV5 em Madrid, a partir de 1623, Velásquez transformou os retratos da família real espanhola, em encantadoras e impressionantes obras de arte.
Por exemplo, um dos maiores quadros do artista com o título de – As Meninas6 – se destaca pela composição complexa, realista e carregada de significados. Velásquez inclui-se à esquerda da composição, pintando junto ao cavalete. No centro, se encontra a princesa Margarida. Os rostos de seus pais, o rei e rainha, estão refletidos no pequeno espelho da parede do fundo. Velásquez mostra o que os reis estão vendo: um grupo de pessoas entrando em seu estúdio. O quadro “exibe o estilo amadurecido de Velásquez no seu máximo esplendor. Trata-se ao mesmo tempo de um retrato de grupo e de uma cena de gênero.” (JANSON, 1992, p. 536)
O ingresso na corte possibilitou à Velásquez o acesso às obras-primas no interior do palácio, inclusive o contato com outros artistas convidados pelo rei. RUBENS, por exemplo, que ali permaneceu um ano como membro da corte, influenciou Velásquez na aplicação de cores mais quentes e sensuais e na produção de algumas obras com tema mitológico e “provavelmente o ajudou a descobrir a beleza de muitos Ticianos da coleção do Rei” (JANSON, 1992, p. 536)
Velásquez pouco saiu do palácio imperial, a não ser para acompanhar o rei em algumas de suas viagens. Na rápida viagem à Itália, à conselho de Rubens, Velásquez entrou em contato com as obras dos maiores artistas do Renascimento e do Barroco, que o influenciaram, mas não alteraram o seu gênio particular e insuperável.
Executada quando Velásquez aos vinte e três anos ainda estava em Sevilha, a pintura – São João Batista no deserto – apresenta um cenário bem distante de um árido deserto. O jovem João Batista descansa sob a sombra da grande árvore.
O traje de pele de camelo caído no colo, as pernas apoiadas nas pedras geladas à borda do regato e o cordeiro à direita bebendo a água cristalina, indicam o forte calor do ambiente.
Do alto à esquerda um feixe de luz atravessa as nuvens. A mão direita estendida na direção da luz e o olhar do jovem implicam na plena aceitação do sacrifício e da missão de a todos batizar e anunciar a chegada de Cristo.
Velásquez mostra o rei da Espanha, com cerca de dezenove anos, sóbrio, vestido todo de preto, com o rufo7 branco. Grossa corrente de ouro e o emblema da ordem do velo de ouro atravessam seu peito.
O retrato de corpo inteiro foi pintado por volta de 1624, logo depois da chegada de Velásquez na corte espanhola.
Ao longo dos anos, os retratos mostram o amadurecimento nas feições do rei e a realidade da corte espanhola do século XVII, que exige certo ar de divindade à pose real, inclusive como estratégia para se manter no poder.
Nas obras de Velásquez, o conceito, do feio e do belo, deixa de ser absoluto. Além do realismo e da mostra dos defeitos do seu retratado, existe um equilíbrio que o impede de realizar uma caricatura. A dignidade está sempre presente.
Bartolomé Esteban Perez MURILLO (1618-1682)
Bartolomé Murillo nasceu em Sevilha, na Espanha e lá viveu praticamente toda a vida.
A permanência em Madrid por volta de 1648 a 1650 lhe valeu a experiência e o contato com as obras flamengas de RUBENS e VAN DYCK e as cores venezianas nas pinturas de TINTORETTO e TICIANO, dispostas no palácio real. Sabe-se que nessa curta estadia, Murillo conheceu Velásquez e influenciou Zurbarán em seu estilo tardio.
Com um estilo amadurecido Murillo voltou à Sevilha e suas pinturas se espalharam nas principais igrejas e conventos sevilhanos e também nas mansões mais nobres da cidade.
Tendo se tornado o primeiro pintor da cidade, Murillo fundou uma academia de pintura, produzindo continuamente para uma fiel clientela ajudado por numerosos assistentes, quando sua fama transpassou os limites de Sevilha.
Bondade e serenidade parecem ter sido algumas das virtudes de Murillo. As qualidades de seu temperamento, juntamente com uma notável sensibilidade artística, permitiram a Murillo a interpretação dos mais nobres sentimentos compartilhados em sua obra.
As imagens de meninos e meninas refletem os mais puros sentimentos e doçura da juventude.
Embora as figuras, banhadas por uma delicada luz, desfrutem de uma beleza idealizada, seus gestos e expressões possuem uma grande naturalidade e encanto.
Referências
ALTE PINAKOTHEK, Munique, Alemanha. Disponível em: https://www.sammlung.pinakothek.de/en/bookmark/artwork/jpxeQj2xJ7 Acesso em: 19 out. 2019.
ART INSTITUTE CHICAGO, Chicago, Illinois, EUA. Disponível em: https://www.artic.edu/artworks/6831/saint-john-the-baptist-in-the-wilderness Acesso em 19 out. 2019.
GOMBRICH, E. H. A História da Arte. Tradução Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: LTC, 2000. 714 p.
JANSON H. W. História da Arte. Tradução J.A. Ferreira de Almeida; Maria Manuela Rocheta Santos. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1992. 823 p.
MUSEO DEL PRADO, Madrid, Espanha. Disponível em: https://www.museodelprado.es/coleccion/obra-de-arte/las-meninas/9fdc7800-9ade-48b0-ab8b-edee94ea877f?searchid=eeb59deb-3815-615c-ca1b-8c1bd2ea991b Acesso em: 19 out. 2019.
NATIONAL GALLERY OF ART,Washington, EUA. Disponível em: https://www.nga.gov/collection/art-object-page.72037.html Acesso em: 30 ago. 2019.
RIJKSMUSEUM, Amsterdam, Holanda. Disponível em: http://hdl.handle.net/10934/RM0001.COLLECT.4672 Acesso em 07 out. 2019.
THE METROPOLITAN MUSEUM OF ART, Nova York, EUA. Disponível em: https://www.metmuseum.org/art/collection/search/437873 Acesso em 18 out. 2019.
1 Conhecida também como Reforma Católica, a Contrarreforma surgiu em torno de 1545 como resposta às teorias da Reforma protestante iniciada por Martinho Lutero (1483-1546) no início do século XVI, na Alemanha.
2 Influenciado pela obra naturalista e dramática de CARAVAGGIO (1571-1610) com histórias religiosas quase sempre pungentes, o artista espanhol natural de Sevilha, Francisco de ZURBARÁN y Salazar (1598-1664) apresenta, na maioria de suas pinturas, composições cercadas por uma áurea de tranquilidade. Quietude que faz parte também de suas naturezas-mortas, onde os objetos parecem dispor-se parcimoniosamente no espaço pictural.
3 Na forma fechada os elementos se enquadram dentro da moldura e o assunto principal se encontra próximo ao centro. Na forma aberta, as linhas, as cores e a disposição dos objetos e das figuras se deslocam em contínuo movimento, ultrapassando as bordas da moldura.
4 Extremamente versátil com assuntos diversificados, o artista napolitano Salvator ROSA (1615-1673) foi um dos artistas menos convencionais da Itália. Rosa foi adotado e prestigiado, no final do século XVIII, junto aos movimentos do Pitoresco e do Sublime e amado pelos artistas do Romantismo, no século XIX, como pintor de cenas de bruxaria e figuras alegóricas.
5 Grande patrocinador das artes, Rei da Espanha de 1621 até sua morte, Filipe IV (1605-1665) também reinou na época sobre Nápoles, Sardenha, Sicília, Portugal e Algarves.
6 Diego Rodrigues de Silva y VELÁSQUEZ (1599 -1660) As Meninas, 1656. Óleo sobre tela, 320,5×281,5. Museo del Prado, Madrid, Espanha. Disponível em: https://www.museodelprado.es/coleccion/obra-de-arte/las-meninas/9fdc7800-9ade-48b0-ab8b-edee94ea877f?searchid=eeb59deb-3815-615c-ca1b-8c1bd2ea991b Acesso em: 19 out. 2019.
7 A gola branca em tecido fino e engomado era chamada de rufo ou gorgeira ou lechuguilla. Sinônimo de prestígio social, alguns modelos eram plissados em ondas e enormes, escondendo toda a altura do pescoço. Modelos diferentes foram usados por volta do século XVI até o século XVII, quando o rufo foi substituído por grandes golas caídas.