Artigos Acadêmicos

Paolo Veronese – O Maneirismo, o colorido e o luxo veneziano

O artista produziu inúmeras pinturas de pequena e grande escala para a decoração de igrejas, palácios e villas italianas, com diferentes temas.

Por Fatima Sans Martini - dezembro 8, 2020
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De meados do século XVI ao início do XVII, por volta de 1530 a 1620, a arte italiana vive um momento particular denominado de Maneirismo[1].

Em Veneza, o grande artista TICIANO[2] (c.1488/90-1576) havia dominado a pintura no período denominado de Renascimento tardio e atravessado o estilo Maneirista. No seu atelier passaram artistas renascentistas e maneiristas, dentre eles: Jacopo Comin, conhecido por TINTORETTO[3] (1518-1594) e Paolo Caliari, conhecido por VERONESE (1528-1588)

Antes de se mudar para Veneza, Veronese já era conhecido e realizado, por volta de 1546-1550, contratos artísticos, ainda em Verona, sua cidade natal.

Em Veneza, seus primeiros trabalhos ocorreram a partir de 1550-1551 com a decoração de paredes e tetos, marcando sua trajetória artística na cidade.

O ciclo de afrescos em Trompe l’oeil[4] repleto de alegorias e temas mitológicos, em meio a ruínas clássicas,produzidos na decoração interna da Villa Barbaro[5], por volta de 1560, marcou e levou Veronese a ser reconhecido como um dos grandes mestres de Veneza.

Paolo Caliari, conhecido por VERONESE (1528-1588) Retrato de Daniele Barbaro, 1556-1567.
Paolo Caliari, conhecido por VERONESE (1528-1588) Retrato de Daniele Barbaro, 1556-1567. Óleo sobre tela, 121×105,5.  Rijksmuseum,Amsterdam, Holanda.

Proprietário junto com o irmão Marcantonio da Villa Barbaro, também chamada de Villa di Maser, Daniele Barbaro (1514-1570) é representado em seu traje eclesiástico de patriarca. Ao lado dele está sua tradução do tratado sobre arquitetura do mestre construtor romano Vitruvius. O livro foi publicado em 1556 com ilustrações do famoso arquiteto Palladio.

Veronese e Tintoretto eram queridos em Veneza, mas segundo Janson (1992, p. 470) “totalmente diferentes” e ainda segundo o autor, em algumas obras em particular “o Realismo do Norte da Itália ganha esplendor de um grande espetáculo”, evitando qualquer “alusão ao sobrenatural.”

Veronese já mostra maturidade e um estilo próprio na imensa obra – Festa de Casamento em Caná[6] – produzida em 1563 para o refeitório de San Giorgio Maggiore, onde em meio aos personagens, de acordo com Gombrich (2000, p. 259) estão presentes uma orquestra de pintores venezianos: Ticiano (com contrabaixo); Tintoretto (com viola) e Veronese (com violoncelo).

Nela, nos diferentes planos e no clássico espaço, distribuem-se os abonados personagens da elite veneziana, representando a vida opulenta dos palácios venezianos, em meio à riquesa de texturas e alegres tonalidades. Um estilo que pouco mudará com o passar dos anos. 

No entanto, outra composição com banquete – Banquete na Casa de Levi[7] – repleta de figuras vulgares no lugar dos personagens bíblicos, foi desaprovada e valeu o   comparecimento de Veronese perante o tribunal da Inquisição[8], em 1573, representando um dos poucos reveses de sua carreira.

Paolo Veronese produziu, ao longo da sua vida pública, inúmeras pinturas de pequena e grande escala para a decoração de igrejas, palácios e villas italianas, com diferentes temas.

Mas, se o realismo era empregado nas cenas religiosas e nos retratos, na pintura das grandes composições mitológicas, Veronese tendia à fantasia, ao luxo e à sensualidade, onde o brilho, as cores e texturas das sedas, veludos, damascos e dourados se destacavam, muitas vezes, mais que os próprios personagens.

Paolo Caliari, conhecido por VERONESE (1528-1588) Vênus pranteando Adonis,
Paolo Caliari, conhecido por VERONESE (1528-1588) Vênus pranteando Adonis, s/d. Óleo sobre tela, 145×173,5. Foto Cecilia Heisser/Nationalmuseum, Estocolmo, Suécia.

Certo dia, Cupido, também chamado de Eros pelos gregos, feriu o peito de sua mãe com uma seta em meio às brincadeiras. Afastando a criança, para se curar, Vênus viu se aproximar o mais belo homem já visto.

Descendo a Terra, a deusa passou a seguir e observar o jovem caçador no bosque. E eis que o encontrou apoiado nas pedras, amarrando as tiras de suas sandálias.

[…] Arrebatada pela beleza do jovem,
a deusa até se esquece das praias de Citera, não volta a Pafo,
que um mar profundo rodeia, a Cnido, rica em peixe,
nem a Amatunte, terra rica em minas. Até do céu se ausenta.
Prefere Adônis ao céu. Não o larga, torna-se companheira sua.
Acostumada com cuidados a sua beleza, vai e vem por serras,
por florestas, por outeiros eriçados de sarças, puxando,
como Diana, o vestido à altura do joelho. […]
(OVÍDIO, X, 529-537, 2017, p. 562-563)

A partir desse momento, os dois se tornaram amantes seguidos de perto pelos cães. Assim, nos braços de sua nova paixão, Adônis deixou, momentaneamente, de lado seu prazer pela caça, que logo voltou a surgir. Apaixonada, a deusa suplicou que o jovem tivesse cuidado, principalmente com os animais selvagens, antes de subir em seu carro em direção a Chipre. 

Adônis, porém, muito presunçoso para seguir tais conselhos, percebendo que os cães haviam expulsado um javali de seu covil, lançou seu dardo, ferindo o animal. A enorme fera, depois de arrancar o dardo com os próprios dentes investiu contra Adonis. Na corrida, o javali alcançou o jovem cravando-lhe os dentes logo acima do quadril, deixando-lhe esvaindo-se em sangue.

Vênus que não ia tão longe, ao ouvir os gemidos do amado, retornou imediatamente. Quando viu Adônis encostado a uma árvore, coberto de sangue, a deusa foi tomada de pavor.

dilacerando o seio ao mesmo tempo que arranca os cabelos
e, com mãos não feitas para esse fim, martiriza o peito.
Queixando-se do destino, afirma: “Nem tudo, porém,
está sujeito ao vosso poder. A lembrança do meu luto, Adônis,
manter-se-á para sempre, e a imagem anualmente repetida
da tua morte atualizará a representação do meu lamento.
(OVÍDIO, X, 722-727, 2017, p. 573)

Após muito chorar, Vênus enterrou o belo corpo do amado. No lugar começaram a brotar algumas flores de cor semelhante à romã, no entanto, flores de vida muito curta, pois o vento logo lhe arranca as pétalas.

No mesmo dia, Adônis chegou à morada dos mortos, encantando o coração de Prosérpina[9], a rainha dos Infernos e esposa de Plutão.

Inconformada Vênus desceu aos Infernos para recuperar o amante, desagradando a soberana do submundo. Para não iniciarem uma briga, ficou acertado que Adônis permaneceria um tempo entre os mortos e um tempo com os vivos. Assim, durante seis meses do ano, a bela divindade revia seu adorado Adônis.

O assunto de Vênus e Adonis foi interpretado por Veronese em outra belíssima pintura[10] que se encontra no acervo do Museo del Prado, em Madrid, na Espanha.

Paolo Caliari, conhecido por VERONESE (1528-1588) Marte e Vênus unidos por amor, ca. 1570
Paolo Caliari, conhecido por VERONESE (1528-1588) Marte e Vênus unidos por amor, ca. 1570. Óleo sobre tela, 205.7×161. The Metropolitan Museum of Art, Nova York, EUA.

Nesta pintura visualmente opulenta e sensual, Cupido liga Marte (o deus da guerra) a Vênus com um nó de amor. Ele celebra os efeitos civilizadores e nutritivos do amor, à medida que o leite flui do peito de Vênus e o cavalo de guerra de Marte é contido. (THE METROPOLITAN MUSEUM OF ART, Nova York, EUA. Tradução nossa[11])

Nos anos finais, grande parte da obra de Veronese foi finalizada por membros de sua família junto à sua oficina em Veneza, ajuda que permaneceu após a morte repentina, dificultando, muitas vezes a autoria de algumas pinturas realizadas a partir da grande quantidade de esboços originais, pinturas essas, assinadas, às vezes, por Herdeiros de Paolo.


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Referências

GOMBRICH, E. H. A História da Arte. Tradução Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: LTC, 2000. 714 p.

JANSON H. W. História da Arte. Tradução J.A. Ferreira de Almeida; Maria Manuela Rocheta Santos. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1992. 823 p.

NATIONAL GALLERY OF ART, Washington, EUA. Disponível em: https://www.nga.gov/collection/art-object-page.45.html Acesso em 06 dez. 2020.

NATIONALMUSEUM, Estocolmo, Suécia.Disponível em: http://nationalmuseumse.iiifhosting.com/iiif/d64ee80696dc83570e35ac103ffe10619fc9902c075a1abb1aa6193d32f7adbd//full/full/0/default.jpg Acesso em 06 dez. 2020.

OVIDIO. Metamorfoses. Tradução Domingos Lucas Dias. São Paulo: Editora 34, 2017. 909 p.

RIJKSMUSEUM,Amsterdam, Holanda. Disponível em: http://hdl.handle.net/10934/RM0001.COLLECT.6426 Acesso em: 06 dez. 2020.

THE METROPOLITAN MUSEUM OF ART, Nova York, EUA. https://www.metmuseum.org/art/collection/search/437891 Acesso em: 04 dez. 2020.


[1] Saiba mais sobre o Maneirismo italiano em https://arteref.com/artigos-academicos/maneirismo-na-italia/

[2] Artista incomparável do período Renascentista tardio, TICIANO, TIZIANO Vecellio, Titian ou Titien (c.1488/90-1576) dominou a pintura veneziana durante décadas, sendo um dos mais procurados para a pintura de retratos.

[3] Saiba mais sobre TINTORETTO em https://arteref.com/artigos-academicos/maneirismo-na-italia/

[4] Expressão francesa para enganar os olhos, a técnica artística chamada de Trompe l’oeil transforma a imagem em três dimensões, ocasionando um ilusionismo espacial. A expressão é usada tanto na pintura como na Arquitetura.

[5] Villa italiana no Vêneto, a Villa Barbaro ou Villa di Maser é um projeto de Andrea PALLADIO (1508-1580) para os irmãos Barbaro: Danielle e Marcantonio, antiga família veneziana.

[6] Paolo Caliari, conhecido por VERONESE (1528-1588) Festa de Casamento em Caná, 1563. Óleo sobre tela, 677×994. Musée du Louvre, Paris, França.

[7] Paolo Caliari, conhecido por VERONESE (1528-1588) Banquete na casa de Levi, 1573. Óleo sobre tela, 555×1280. Gallerie dell’Accademia, Veneza, Itália.

[8] Tribunal eclesiástico instituído pela Igreja católica, nos séculos XIII e XV, com o fito de investigar e julgar sumariamente pretensos hereges, acusados de crimes contra a fé católica.

[9] Filha de Zeus/Júpiter com Deméter/Ceres, raptada por Hades/Plutão (irmão de Zeus e Poseidon/Netuno) Perséfone/Prosérpina passava metade do ano no submundo, correspondente ao outono e inverno e metade do ano, na primavera e verão, na superfície.

[10] Paolo Caliari, conhecido por VERONESE (1528-1588) Vênus e Adônis, cerca de 1580. Óleo sobre tela, 162×191. Museo del Prado, Madrid, Espanha.

[11]   In this visually opulent and sensual painting, Cupid binds Mars (the god of war) to Venus with a love knot. It celebrates the civilizing and nurturing effects of love, as milk flows from Venus’s breast and Mars’s warhorse is restrained. The Metropolitan Museum of Art, Nova York, EUA. Disponível em: https://www.metmuseum.org/art/collection/search/437891 Acesso em: 04 dez. 2020.

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Mestre em Artes Visuais com Abordagens Teóricas, Históricas e Culturais pela UNESP. Pós-graduação em História da Arte pela FAAP-SP. Formada em Artes Plásticas. Experiência profissional: Projetista em Design de Interiores. Experiência acadêmica: nas disciplinas de Projetos, Desenho, História do Mobiliário e História da Arte nos cursos de Arquitetura e Design de Interiores. Professor das disciplinas de Estética e História da Arte Mundial e Brasileira no Curso de Artes da Unimes, Universidade Metropolitana de Santos, SP

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